Depois de tanto tempo fora, quero sentir cada bocadinho desta casa inacabada. Quero sentir o cheiro a guardado (diriam muitos, cheiro a mofo). Encho-me de coragem, abro a porta vagarosamente, receio o que se esconde, receio o que poderei encontrar, em mim. Tenho noção que não existe ninguém para lá desta porta, ninguém, nada, me vai magoar. No entanto, tenho presente a sensação de desrespeito pela minha casa. Abandonei-a quando ela ainda precisava de mim. Construí-a, prometi-lhe utopias e paraísos.
O instinto humano foi mais forte e fiz tudo ao contrário. Fiz as malas, empacotei os meus pertences, apaguei as luzes, fechei as janelas, tranquei todas as portas, portões, portadas e até as mais pequenas gavetas. Guardei todas as chaves, tenho-as ainda aqui.
Ousei e entrei, fechei a porta. Um calafrio percorre a minha espinha, este frio gélido dá-me vontade de gritar, dá-me vontade de partir, não quero começar do zero, não quero uma linha desconexa no lugar de um fio condutor.
Não, não vou desistir! Vou continuar a bisbilhotar cada divisão, cada canto. Quem sabe, até pode ser que tenha boas surpresas...